INTRODUÇÃO
Este texto objetiva abrir e ampliar o debate sobre a política de formação de professores
A esse respeito, é importante considerar que as diretrizes oficiais atuais para a formação de professores evidenciam um esforço de flexibilização curricular que não tem conseguido superar a formação compartimentada oferecida pelos cursos de licenciaturas vigentes e os índices elevados de reprovação de candidatos em concursos públicos para o magistério estadual
Tabela 1. CONCURSOS MAGISTÉRIO
1993 | 1998 | 2001 | 2004 | |||||
n° inscritos | 28.458 | 100% | 8.096 | 100% | 16.423 | 100% | 42.984 | 100% |
n° aprovados | 14.282 | 50,2% | 2.324 | 28,8% | 14.589 | 88,82% | 10.940 | 25,45% |
n° reprovados | 14.176 | 49,8% | 5.772 | 71,2% | 1.837 | 11,18% | 32.044 | 74,55% |
Fonte:SED/DIDH/Gedaf-junho/2006
O papel das Instituições de Ensino Superior, especialmente
No quadro das políticas de formação, duas outras temáticas merecem ser abordadas nesta discussão:
As novas tecnologias utilizadas na formação de professores e a educação a distância vêm se expandindo num ritmo acelerado em todo o país. Esta modalidade, colocada a serviço das políticas atuais para a formação de professores, via programas com teleaulas, tutorias fragmentadas e ministradas por formadores muitas vezes não habilitados, tem contribuído para uma formação de qualidade?
As políticas educacionais de regulação da profissão promovidas pelo Estado figuram como outro ponto crítico a ser discutido. De acordo com Gatti (2000), a carreira tem se mostrado cada vez menos atraente tanto pelas condições de formação dos cursos em si quanto pelas condições em que seu exercício se dá e pelos pisos salariais. Pesquisas de satisfação na profissão (GATTI, 2000) revelam elementos desconsiderados pelas políticas públicas, mas que condicionam a qualidade da formação, tais como: a condição pessoal e de trabalho dos professores, causando impacto na sua auto-estima e na saúde; o clima organizacional diretamente relacionado ao ambiente de trabalho; a infra-estrutura física e de equipamentos; as relações sociais que se estabelecem neste ambiente; a relação remuneração/desempenho profissional; e a perspectiva de carreira ¾ questões atuais e historicamente construídas e desconsideradas pelos gestores da educação no país.
1. FRAGMENTOS DO CONTEXTO EDUCACIONAL E AS LICENCIATURAS
No Brasil, a formação de professores para a educação infantil, o ensino fundamental e o médio é responsabilidade dos Estados e Municípios, cabendo à União o papel de incentivar, traçar diretrizes por meio do Plano Nacional de Educação, financiar parcialmente e regular as políticas regionais. O cenário da educação básica no país não é animador. Segundo dados recentes divulgados pela UNESCO (2004), o Brasil quase lidera o ranking mundial de alunos reprovados na 1ª série do ensino fundamental, com o índice de 32%, apresentando 20% de reprovação na 2ª série. Tais dados indicam que a metade dos alunos que ingressa no sistema educacional não consegue avançar em sua aprendizagem, pois o sistema não tem oferecido condições para a apropriação dos conhecimentos básicos ¾ ler e escrever. A má qualidade perpassa todo o sistema também para aqueles que se salvam da exclusão inicial e insistem em permanecer no sistema, sendo excluídos pela falta de acesso ao conhecimento de qualidade.
O Sistema de Avaliação da Educação Básica (antes SAEB, atualmente ANEB) ¾ teste que mede a qualidade da educação por amostragem no país (4ª, 8ª e 3ª série do ensino médio) ¾ tem demonstrado que o desempenho dos alunos está muito aquém do padrão mínimo. Somente na 5ª série, 5% dos alunos exibiram rendimento adequado na área de leitura e 55% apresentam desempenho crítico ou muito crítico. Além disso, o Brasil amargou o último lugar na área da matemática e o penúltimo em ciências na última edição do PISA ¾ teste internacional que verifica o domínio de conhecimentos de jovens com 15 anos de idade em 40 países. Esses poucos dados, extraídos da revista Veja (26 jul. 2006, p. 104-105), entre outros publicados no site do INEP (www.inep.gov.br), indicam que o país passa por uma séria crise na educação, com impactos diretos sobre o seu desenvolvimento.
A esse respeito é preciso ponderar que este panorama de dificuldade da educação brasileira é resultado de um conjunto de fatores e ações governamentais que não tem contemplado a educação e a carreira dos professores com políticas públicas coerentes com as necessidades do país, num projeto de nação democrática.
Neste sentido, a questão da formação de professores tem sido um desafio para as políticas governamentais. São 1,6 milhão de professores atuando na educação básica. Destes, 830 mil não possuem formação superior. Por outro lado, até 2005, existiam, no Brasil, 20.407 cursos de graduação presenciais, conforme dados do Inep de 2007, com 4.453.156 alunos matriculados ¾ sendo que 57,3% dessas matrículas, preenchidas por 2.754.674 estudantes, estão concentradas nos dez maiores cursos por número de matrícula no Brasil, dentre os quais 11,9% são
Quadro I – Número de alunos Formados
Áreas | Número de alunos |
Arte Educação | 100 |
Artes | 37 |
Artes Plásticas | 06 |
Artes Visuais | 151 |
Ciência da Religião | 37 |
Ciências Biológicas | 266 |
Ciências Agrícolas | 0 |
Ciências Sociais | 10 |
Educação Artística | 89 |
Educação Física | 711 |
Enfermagem | 61 |
Filosofia | 39 |
Física | 02 |
Geografia | 225 |
História | 218 |
Letras | 718 |
Química | 150 |
Matemática | 313 |
Música | 07 |
Pedagogia | 1459 |
Psicologia | 58 |
Total | 4657 |
Fonte: Dados referentes a 2005, fornecidos pelas IES/ACAFE e UFSC em 2006.
Além disso, levantamento recente realizado pela Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina (2007) informa que há um número considerável de vagas no sistema, mapeadas por região (Anexo I) e ocupadas por professores admitidos em caráter temporário - ACT.
Neste viés, pode-se observar a contradição entre a necessidade de formar/certificar um grande número de professores e o crescimento na abertura de novos cursos e vagas e uma baixa ocupação das vagas existentes. Contudo, é importante considerar as dificuldades dos acadêmicos das licenciaturas em manter-se financeiramente durante sua formação em nível superior, pela baixa expectativa de renda e em relação à profissão e pelos indicadores sociais do magistério. Há, de fato, um abismo entre o discurso político de valorização do professor e as políticas efetivas para a permanência e o reconhecimento do professor no sistema como profissional de nível superior. Esses aspectos têm contribuído para ampliar o índice de evasão dos alunos nos cursos de licenciaturas que, segundo Gatti (2000), atinge percentuais de mais de 50%.
Outro elemento que concorre para este quadro desafiador são as mudanças definidas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores da educação básica em nível superior (CNE/CP001/2002). Essas diretrizes a serem implantadas têm causado impacto na organização curricular dos cursos pelo estabelecimento de carga horária mínima e conceitos de formação ainda com ênfase em uma racionalidade técnica, isto é, no preparo do profissional para a aplicação de conhecimentos em situações da prática, em detrimento de uma formação mais ética e política. Conforme Gatti (2000), esta formação está centrada em um perfil de professor que esteja em contato constante com outras áreas de conhecimento além da sua e que tenha vivenciado uma cultura de responsabilidade colaborativa e de investigação do cotidiano na escola e em sala de aula.
Este perfil de formação impõe desafios às IES para a revisão dos currículos dos cursos de licenciatura visando à superação da dicotomia presente entre a licenciatura de pedagogia e as demais licenciaturas e entre as licenciaturas e o bacharelado de uma mesma área ¾ além da necessidade de dar maior ênfase ao estudo do contexto pedagógico com suporte teórico para identificar problemas e analisá-los promovendo: a intervenção com acompanhamento e avaliação; e a integração curricular entre atividades, disciplinas e cursos da Instituição por meio de projetos de investigação, práticas interdisciplinares e estágios, na forma de projetos de trabalho desenvolvidos a partir das necessidades educacionais do panorama escolar.
2. PERSPECTIVAS PARA AS LICENCIATURAS
Uma política para a formação de professores somente terá sentido se o foco de nosso interesse estiver, entre outros aspectos, no processo de ensino e aprendizagem que se desenvolve nos cursos de licenciatura.
Acerca disso, há de se ressaltar o papel dos Fóruns das Licenciaturas, espaços permanentes de discussão que se desenvolvem
Os desafios se apresentam às Universidades, aos sistemas educacionais e aos próprios professores para a transformação desse contexto, a exemplo da reformulação curricular desses cursos, da revisão das políticas institucionais e da reconstrução do panorama das universidades.
Historicamente, os cursos de licenciatura foram criados a partir dos cursos de bacharelado e, como tal, têm funcionado como um "apêndice" dos mesmos. Assumiram a caracterização de uma "parte" da formação voltada à determinada especificidade.
Sendo assim, a produção de propostas alternativas que buscam promover rupturas no modelo historicamente construído para a formação de professores deverá considerar a lógica que preside o modelo atual:
· As licenciaturas, na sua maioria, apresentam-se como cursos híbridos nos quais os conteúdos específicos não se articulam com os conteúdos pedagógicos;
· Os estágios “encenados” em detrimento da investigação científica de cenários reais, nos quais os processos educacionais se efetivam de fato;
· A fragilidade de articulação entre Universidade e Instituições de Educação Básica, favorecendo a desarticulação entre o fundamento teórico e o processo de ensino-aprendizagem na Educação Básica;
· A ênfase excessiva nos processos da sala de aula em detrimento da escola como um todo, o que reduz a ação educativa centrada no professor e no conteúdo;
· O abandono da categoria do trabalho docente como categoria de análise das relações socioculturais, políticas e econômicas da sociedade pelas categorias da prática reflexiva, favorecendo a construção da ação docente mais individualista e menos colaborativa;
· A expansão desordenada dos cursos de licenciatura, muitos deles com a qualidade comprometida pelo aligeiramento dos currículos, pela redução de carga horária e pelas práticas fragmentadas;
- A degradação das condições atuais de funcionamento das escolas pelas relações culturalmente estabelecidas e institucionalizadas de poder presentes entre professores, especialistas e direção. Essas relações vão se fortalecendo pela indefinição das atribuições e funções das diferentes instâncias de gestão e pela falta de formação de líderes para o desenvolvimento da gestão participativa;
- A responsabilização individual dos professores pela sua atualização e seu desenvolvimento profissional, trazendo como conseqüência o afastamento de sua categoria profissional, levando-os a competir com seus pares pelos espaços na carreira;
- O descompromisso do poder público com a pesquisa em educação e a formação multidisciplinar, retirando a formação do professor do campo da educação para os saberes da prática pedagógica. Sob esta ótica, o professor vai centrando sua ação docente na certificação de suas competências para o cotidiano da profissão em detrimento de uma formação mais ampla e científica;
- A política de carreiras e salários que não atende às reais necessidades da formação pelo descaso com a formação do professor em serviço, eliminando todo e qualquer projeto de permanência no magistério.
A partir disso e prevendo a superação do panorama vigente, é preciso que os cursos de licenciaturas passem a oferecer possibilidades como:
- Capacidade de superar a dicotomia teoria/prática, tendo a pesquisa, em especial a da educação, como principal fundamento da produção do conhecimento;
- Formação teórico/prática, com a possibilidade de uma maior vivência/experiência do processo pedagógico específico da educação básica;
- Considerar a prática como espaço de criação e reflexão, gerando e modificando conhecimentos;
- Prática docente acompanhando toda a formação, desde os primeiros momentos, a fim de superar a dicotomia teoria/prática.
Além desses aspectos, as pesquisas na área de formação de professores indicam a necessidade de esta categoria profissional focar as discussões da área em políticas mais amplas, isto é, na análise da situação dos cursos de licenciatura, considerando a viabilidade ou não da adoção de um projeto político-pedagógico específico para esses cursos. Outra discussão fundamental reside no papel das licenciaturas e no papel das Secretarias de Educação na condução das políticas oficiais. Afinal, as possibilidades de mudança somente poderão ser anunciadas e construídas quando assumidas as contradições da realidade das licenciaturas.
3. SER PROFESSOR: REFLEXÕES, PAPÉIS E PERSPECTIVAS
A formação dos professores da educação básica é um processo sempre em construção, pois se ampara nos conhecimentos apropriados nos cursos de licenciaturas e no seu cotidiano profissional.
Sendo assim, esta formação reflete o perfil da organização curricular do curso de licenciatura sustentado pelos fundamentos ligados ao domínio dos conteúdos da sua área específica de atuação e da compreensão do processo pedagógico e dos valores éticos e políticos do processo de ensino e aprendizagem no ambiente profissional.
Além desse conjunto de conhecimentos, a formação de professores não poderá prescindir da visão estratégica de sua atividade profissional para a formação de novas gerações, que é a de estar comprometido ética e politicamente com uma perspectiva de emancipação da educação.
A partir disso, a aprendizagem dos alunos dar-se-á pela mediação pedagógica do professor, compreendendo diferentes percursos de seus alunos, efetivando intervenções significativas para garantir, aos mesmos, a apropriação do conhecimento e a compreensão das relações históricas, sociais, políticas e econômicas que condicionam a vida das pessoas e a produção do conhecimento.
Neste sentido, a identidade dos professores vai se construindo por uma rede de significados da vida e da profissão traduzida pelas resistências às relações culturais instituídas no ambiente profissional e pelo estabelecimento de vínculos afetivos e solidários com seus pares. Professores expressam singularidades que lhes permitem intervir na ação, compreendendo os processos de produção da (sua) práxis e revendo esquemas que julgam apropriados, negando alguns e validando outros. Neste movimento de igualdades e diferenças, rupturas e continuidades, há a possibilidade infinita para os professores significarem a vida e a profissão.
Tal complexidade indica o caráter contraditório e diversificado da profissão docente quanto ao consenso do perfil que está constantemente
É preciso entender que há professores que apresentam uma forma de agir característica do professor prático e artesanal evoluindo em direção do perfil do funcionário do Estado. A unidade elementar de fundo que contribui para esta articulação é a busca da estabilidade profissional. Detentores de um saber prático adquirido pela experiência isolada em sala de aula, buscam novas estratégias operatórias da ordem de uma racionalidade técnica e ocultam um processamento estratégico de tomada de decisões. São receptivos a todo e qualquer corpo de conhecimento, instrumentos e formas que possam auxiliá-los a dar cumprimento do papel de executores do ensino. Procuram valorizar, ao máximo, a autoridade constituída e estabelecer laços afetivos para minimizar sua insegurança. A busca da identificação está ligada ao grupo que ocupa as mesmas funções, desde que o mesmo não coloque em risco a estrutura de plausibilidade de relações e valores que estão sustentando, progressivamente, a sua função. Muitas vezes, sentem-se ameaçados pelas novas idéias e inscrevem-se na lógica de manutenção das normas instituídas.
Já outro grupo de professores apresenta formas de agir características do professor interventor de sua prática em direção a sua autonomia. Esses professores ingressam na lógica da aprendizagem. Começam a construir estratégias pessoais de apresentação de si, questionando sua imagem como pessoa e como profissional, suas capacidades e a realização de seus desejos. Buscam maior formação pela apropriação de saberes teóricos que possam dar sustentação a sua prática. São receptivos à construção de uma rede de afinidades com seu grupo profissional, desde que, na formação ética dos princípios de sustentação desta relação, todos possam socializar conhecimentos e decidir rumos. Caso contrário, abrigam-se em um isolamento consciente. Este grupo mantém uma relação com a autoridade instituída mediada pelo desafio constante de questionar a autoridade quanto à justificação das normas estabelecidas e não negociadas. Estão sempre na região do conflito pessoal e relacional de nunca ser aquilo que os outros julgam ser. Estão sempre atentos às novas oportunidades profissionais, pois têm consciência dos indicadores sociais negativos da profissão docente.
Estes perfis de identidade implicam numa relação com os espaços social e local em que o professor convive ¾ vida, formação e profissão ¾ e se constituem meta possível para a escola e os cursos de formação repensarem seus projetos.
Sendo assim, frente às contradições presentes na profissão, ficam, ao professor, o desafio e o compromisso ético e político de expressar, em sua práxis, o comprometimento com a formação de cidadãos emancipados.
Fonte:
Texto elaborado pela Comissão Organizadora do Seminário Estadual das Licenciaturas 2006, composta pelos professores: Paulo Hentz (CEE), Ana Beatriz Brancher (UNOESC), Antônio André Chivanga Barros (FURB), Amândia Maria de Borba (UNIVALI), Edir Seemund (DIES/SED), Maria Izabel de B. Hentz (SED), Ilanil Coelho (UNIVILLE) Odilon Luiz Polli (UNOCHAPECÓ) e Ada Maria Tobal (DIES/SED).